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Devaneios randomizados

Às vezes fica muito difícil confiar em quem quer que seja. Fica muito difícil abrir a boca e alcunhar alguém de amigo. Eu tenho vontade de alcunhar novos amigos. Mas parece que essa é uma antonomásia pesada demais para alguns humanos carregarem. Não mais pesada que qualquer outro tipo de relacionamento que envolva toque, contato, sentimento. Não sentimento tipo "friends forever" ou “best friend forever” que geralmente se colocam a venda em qualquer banca de muambas. Sentimento de verdade. Aqueles que ninguém suporta. Os que deixam a desejar nos momentos inoportunos e quando se quer um minuto de descanso, eles fazem com que lágrimas rebeldes façam queda-livre em fila indiana dos olhos, vindo correndo lá do âmago de um interior já conturbado até o abraço mais raso de qualquer um. Ou aqueles que fazem com que a simples visão de um alguém faça cada pelo do seu corpo se eriçar como se estivessem num show dos Rolling Stones.

Não sei se gosto de amar, mas eu não desejo o que sinto geralmente nem àqueles que tentam me acertar com um Sweet Chin Music a qualquer momento. Mas talvez eu até goste. Quando o amor passa perto de mim... Assim, bem rápido e sem que nossos olhares se cruzem. Já repararam que quando a gente gosta muito de alguém, o cheiro de tal ser é a primeira coisa que fica impressa nas recordações? Na verdade eu acho que é apenas uma idealização irreal de um odor que nos é de grandemente agradável e vinculamos à pessoa de nosso interesse. Em minha humilde opinião, ele tem cheiro de verde e branco. Sabe, ele, possivelmente o tal do amor, cheira bem e me acalma ao mesmo tempo em que me deixa em um estado de excitação quase insano, ebulição interna, rubor desvairado e histeria reprimida. Imagina só! Não tem nem como conter.

Já repararam que desviamos sempre da pessoa de interesse quando achamos que é algo não recíproco? Eu desvio. Caso contrário, fico a ponto de enlouquecer, alucinado, pirado, completamente ensandecido. A ponto de atacá-la e matá-la sob meu carinho excessivo e meus sentimentos um tanto quanto selvagens. Entretanto não acho que amor seja a palavra. E como não quero ter alma de poeta nem de romântico – algumas vezes acho que deixo de ser humano – desconheço o melhor vocábulo para uso aqui. Por isso eu chamo de sentimento. Porque eu sinto. Se não sentisse seria dessentimento. Ou não-sentimento. Talvez insentimento. Meu lado arromântico – ou desromântico ou irromântico – não me deixa chegar a uma conclusão decente. Por isso, poetas que gostam de sentir amor, nomeiem como desejar. E não sei se quero continuar a sentir isso do jeito que sinto. Intenso. Sofrido. Machuca, sabe. Igualmente por isso é que não quero chamar de amor.

Supostamente o amor era para ser bom, cheio de alegria, lágrimas felizes e corações saltitantes. Não é assim que eu me sinto. O que eu sinto é mais ou menos como um longo abraço entre placas tectônicas: quando acontece, é só desgraça. As lágrimas não são felizes, alegria não existe e o coração fica o tempo todo encolhido num canto chorando provavelmente em posição fetal. Enquanto eu crescia, todos me diziam que gente grande se apaixona, fica feliz, casa e tem filhos. No meu caso, já começou tudo errado. Não fiquei grande e quando me apaixono – o que insiste em acontecer com uma frequência ridiculamente grande – a felicidade e a alegria parecem se esconder nos confins mais desconhecidos do mundo. Sou eu ou a vida? Quem é o culpado?  Possivelmente eu, mas não gosto de levar a culpa por nada, então vou me contentar em atribuir a responsabilidade disso tudo à vida, que se habituou a atirar pessoas apaixonantemente inatingíveis em meu caminho.

Infelizmente, minhas energias para impedir que o amor aconteça em minha existência são quase inúteis. É claro que falo do malévolo amor romântico aflorado insanamente no século XIX e que a contemporaneidade tenta, em vão, sepultar. Eu também. Do mesmo modo em vão. Mas eu tenho amigos. Poucos. Um, dois, três, quatro, cinco, talvez seis. Mas eles sofrem por isso. Sofrem por serem alvos de minha selvageria sentimentalista. É tanto amor que chega a enjoar. Não a mim. A eles, eu creio. Mas é um amor diferente. Obviamente fraternal e felizmente não sofrível e muito tolerável. Muito mesmo. Se um dia houvesse uma batalha entre a amizade e o sentimento romântico, eu apostaria todos os meus quase inexistentes bens na amizade. Vai Team Amizade! Então, creio que manter os amigos – os de verdade, os que aceitam carregar o pesado fardo de amar você sem nenhuma obrigação – é melhor que se apaixonar. 

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